Início de um percurso exaltante<br>pela paz
Um «grande passo para o alargamento e intensificação da luta do povo português pelo maior bem da Humanidade – pela Paz» e um «acontecimento histórico»: foi desta forma que o Avante! valorizou, em Agosto de 1950, a constituição, dias antes, da Comissão Nacional para a Defesa da Paz (CNDP), primeira estrutura de âmbito nacional do movimento da Paz unitário, democrático, antifascista e anti-imperialista que nesses anos se criava e congregava em torno do Conselho Mundial da Paz.
O processo de constituição desta comissão iniciou-se em Junho, numa sessão comemorativa do 15.º aniversário da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, da qual saiu um apelo dirigido a dezenas das mais variadas áreas profissionais, político-ideológicas e religiosas. Entre os que constituíram a primeira Comissão Nacional para a Defesa da Paz contavam-se, entre outros, Ruy Luís Gomes, Pulido Valente, Ferreira de Macedo, Maria Isabel Aboim Inglez, Fernando da Fonseca, Ferreira de Castro, Virgínia Moura, João de Deus Ramos, Cesina Bermudes, Fernando Lopes-Graça, Maria Lamas e José Morgado. O Prémio Nobel da Medicina Egas Moniz surgia como presidente.
A constituição da Comissão Nacional para a Defesa da Paz aparecia então como uma necessidade para o desenvolvimento da luta pela Paz, que desde Março de 1950 ganhara um novo impulso com o Apelo de Estocolmo. Em torno desta campanha de âmbito mundial foram criadas comissões para a defesa da Paz em empresas, serviços, colectividades, bairros e localidades; à CNDP cumpriria coordenar a sua actividade.
A constituição da CNDP dá-se num momento particular, que explica a sua evolução. Tal como sucedeu um pouco por toda a Europa, também em Portugal o advento da chamada Guerra Fria levou a um redesenhamento das alianças políticas e sociais: se para o fascismo a nova conjuntura internacional representou um fôlego adicional e uma sólida garantia de sobrevivência (devido ao apoio externo dos EUA e da Grã-Bretanha), para a oposição ela significou divisão, enfraquecimento e repressão – esta última particularmente intensa contra o PCP.
O temor da repressão, o impacto das manobras demagógicas da ditadura e a própria conjunta internacional levaram a que muitos sectores, organizações e personalidades que se tinham aliado aos comunistas em movimentos unitários como o MUNAF ou o MUD aparecessem então reunidos em grupos atlantistas e anticomunistas apostados em aliar-se a dissidentes do regime e esperançados numa intervenção anglo-americana que depusesse Salazar. A ideia de que as «democracias ocidentais» poderiam vir a desempenhar qualquer papel na conquista da liberdade em Portugal manteve-se viva em vários sectores políticos, pese embora a realidade mostrar à evidência que o fascismo português não só não era inimigo dos EUA e da Inglaterra como era por estes visto, e com razão, como um fiel aliado.
Desbravar caminhos
Desmantelada a ampla unidade antifascista que se vinha construindo desde a primeira metade da década de 40, particularmente em torno do MUNAF, o PCP e os sectores que lhe eram mais próximos insistem na continuação da luta nos planos legal e semi-legal. O MUD Juvenil, o Movimento Nacional Democrático e, também, o movimento da paz (que então se constituía) foram as estruturas encontradas para cumprir este desígnio.
No que respeita ao movimento da paz, o Partido procurou integrá-lo naquele que era o seu objectivo principal: o derrube da ditadura. Em tempos de refluxo, a proibição da arma atómica, a rejeição da NATO e o repúdio pela submissão do País à criminosa política externa norte-americana, que ameaçava colocar Portugal no caminho de uma nova guerra, davam motivos adicionais para a contestação política interna.
Para levar por diante a luta pela paz, o PCP canalizou os seus esforços em dois sentidos, complementares entre si: a constituição de uma organização de carácter nacional que dinamizasse e dirigisse a luta pela paz e o desenvolvimento de uma opinião pública favorável à paz, envolvendo neste objectivo a nova estrutura, a organização partidária e os movimentos unitários em que tinha influência.
O PCP entendia que, pela sua própria natureza, a luta pela paz constituía um campo favorável para agregar amplos sectores sociais e políticos. Mas para isso ela deveria ser travada essencialmente no plano legal, através do aproveitamento de todas as possibilidades de agitação e propaganda e, sobretudo, da constituição de uma rede tão alargada quanto possível de comissões de defesa da paz de âmbito local. A constituição da Comissão Nacional representou o culminar da construção do Movimento Nacional para a Defesa da Paz. A sua composição profundamente unitária ia ao encontro da concepção do PCP.
Hoje, à distância de 65 anos, é fácil concluir que a Comissão Nacional para a Defesa da Paz não teve um nascimento particularmente auspicioso: em Abril de 1951, o Avante! reconhecia que, em cerca de oito meses, ela tinha realizado «pouca ou nenhuma» actividade e que até esse momento tinha apenas «existido no papel»; pouco tempo após a sua constituição, alguns dos seus membros (a começar pelo próprio Egas Moniz) abandonaram-na, devido a divergências.
Apesar das dificuldades e dos sobressaltos, o significado profundo da criação da CNDP mantém-se intacto, pelo caminho que apontou e pelo terreno que desbravou. Como o PCP destacou aquando da sua constituição, o cabal cumprimento da sua missão e a sua defesa face à repressão dependeriam do seu alargamento com novos elementos e da existência de uma ampla rede de comissões de base. Foi este o caminho seguido nos meses e anos que se seguiram.